É um clássico. Não só pelo tempo de vida e por ter como protagonista um dos maiores de Hollywood em começo de carreira, mas pela história, pela música, pelo elenco de apoio e, mais que isso, por ser o retrato de uma geração.
Pra começar, muda o tipo do personagem principal. Sai o estereótipo do moço bonito, articulado e charmosamente rebelde. Entra o megrelo, narigudo, desajeitado, estranho Dustin Hoffman. Ele, juntamente com Al Pacino e Robert de Niro, dentre tantos outros, ajudou a desmistificar o galã de cienema norte-americano. Chega de Clark Gables ('E o vento levou'), Humphrey Bogarts ('Casablanca'), Marlon Brandos e James Deans. É a vez dos feios e incompreendidos, dos marginalizados, dos que ralam pra ter uma mulher. Muito mais fácil se identificar com o novo tipo de protagonista, mais real e parecido com a gente, não acham?
Em volta do novo protagonista uma realidade organizadamente em desordem, pais loucamente normais e uma sociedade elitista irritantemente conformada e repetitiva. Fim dos estudos. A pressão e as inevitáveis perguntas: 'já sabe o que vai fazer da vida?', 'e agora, vai trabalhar com o quê?', 'vai ser um homem de sucesso, tenho certeza'... E aqui é que o filme se torna universal, e extrapola o universo masculino. Homens, mulheres, não há quem não sinta o desconforto da transição entre a juventude e a vida adulta. Transição tantas vezes precoce, e todas aquelas recomendações de 'aproveite, esse tempo não volta' transformam-se repentinamente em 'e aí, já se decidiu? Está na hora!'.
Se a geração de jovens se identifica com o protagonista, muitos dos mais velhos se enxergam no modelo de felicidade e casamento falidos, representados no filme sobretudo pela Mrs. Robinson, a famosa da música que todo mundo já ouviu uma vez na vida, e seu esposo. É desse jeito que o maestro Mike Nichols, diretor de 'Closer', um dos melhores filmes da última década na minha opinião, amarra todo o público. Jovens e adultos, de alguma forma, se enxergam nos personagens do filme, seja relembrando seu passado, contemplando seu presente ou prevendo seu futuro. Duas gerações e problemas em comum, em épocas distintas da vida mas a que todos nós, uma hora ou outra, estamos suscetíveis.
Pra quem ainda não viu o filme, não se apegue ao título. Não se trata apenas da primeira noite de um homem, mas de todas as noites e dias que se sucedem a ela, no caminhar irrefreável da vida. Me impressiona como Mike Nichols, o diretor, conseguiu chocar uma época com este filme em 1967 e, três décadas depois, conseguiu novamente retratar os relacionamentos de seu tempo com 'Closer'. Haja sensibilidade e coragem. Lá e aqui, em ambos, mostra-se a versão dos romances que as comédias românticas insistem em esconder.
Relações complicadas? É pouco pro que vemos em 'A primeira noite'. O garoto envolve-se com a mulher do sócio de seu pai e, pouco tempo depois, aproxima-se da filha dela, uma moça de sua idade. Incertezas e medos embalados por uma trilha das melhores de todos os tempos. Há trilhas inteiramente instrumentais e outras cantadas. Essa aqui, pertencente ao último grupo, extrapolou as salas de cinema e consagrou-se também nas rádios e pistas de danças românticas. Adoro música de cinema e não poderia deixar de colocar os vídeos dos carros-chefe, 'The sound of silence' e 'Mrs. Robinson'. Clássicos!
'A primeira noite' é espantosamente cru, um filme que espelha a vida e não tem medo de ser assim. Pode causar embrulhos no estômago se atentarmos às críticas sobre relacionamentos que faz, bem como se pensarmos que aquilo tudo pode estar acontecendo ou vir a acontecer um dia com a gente. Mas sabe também ser divertido, mesmo em meio a tantas angústias e incertezas. Outra vez um retrato fiel da vida. A vitória da fuga bem sucedida seguida do sumiço dos sorrisos dos rostos de Dustin Hoffman e Catherine Ross ao fim do filme, dentro do ônibus amarelo, não deixam mentir: a vida não pára, que estejamos sempre prontos pro próximo ato.
Seja por tudo isso, seja pela competição de beleza entre a Robinson mais velha e sua filha jovem, seja pelas músicas, há inúmeros motivos pra quem ainda não assistiu a este clássico tomar vergonha na cara! Vão sem medo, é um filme pra tirar o chapéu! E quem não se identificar, mesmo que um pouquinho só, que atire a primeira pedra.
Clint.
Bravo!
ResponderExcluirvi esse filme tardiamente, mas obras primas não têm data pra apreciar!
Só vou acrescentar que a cena que fecha o filme (e principalmente a expressão dos dois atores) lembra muito (quer dizer, ao contrário, o segundo filme é que lembra esse) a cena que fecha "Vicky Chistina Barcelona". A mesma expressão no rosto delas, do tipo: "Ok, e agora? Radicalizei, todo o mundo em que eu acreditava desmoronou como um castelo de cartas! O que eu faço depois que os créditos subirem?!?"