domingo, 10 de abril de 2011

Os bons companheiros

"As far back as I can remember, I always wanted to be a gangster".
E assim começa um de meus filmes favoritos, com certeza entre os 10 que mais curto. 'Os bons companheiros', de Martin Scorsese, um de meus diretores favoritos, é daqueles filmes que já vi inúmeras vezes, e cada vez me surpreende como a sequência de cenas que duram umas três horas é deliciosa de ver.
Máfia, Itália, pasta, comida da mama, família. O filme fala de tudo isso, não só de um trabalho proibido e perigoso, mas de um estilo de vida. Ray Liotta não trabalha como gângster, ele é um gângster. Assim como Robert de Niro e Joe Pesci, ganhador do Oscar de melhor ator coadjuvante de 1991 por este filme, discursando breve, como você já deve ter visto aqui.
Mais do que um meio de ganhar a vida, ser gângster é um meio de viver a vida. É disso que o filme trata, e é nisso que mais encanta. Talvez seja esse o principal traço distintivo para os demais filmes de máfia, dentre eles o maior de todos, 'O poderoso chefão'. Nas palavras do protagonista vivido por Ray Liotta, ser gângster era, para eles, melhor do que ser presidente dos EUA. Você sabe que pertence a uma família, pára o carro onde quiser, come onde quiser, senta nas melhores mesas, toma os melhores drinques, é respeitado, amado ou, pelo menos, temido. 
O negócio mais lucrativo dentro dessa vida glamurosa? Dar proteção a quem não pode pedi-la à polícia, ou seja, proteger outros gângsteres que mexem com outros negócios. Respeito como a base da pirâmide, e tudo tende a dar certo.
O filme é uma ode à camaradagem da máfia, daí o título. Mas, se por um lado romantiza e mostra o lado glamuroso da 'famiglia', por outro escancara com crueza, em muitos momentos, o 'salve-se quem puder' e o 'cada um por si' quando a coisa aperta. O final que o diga. 
A ambientação é perfeita e a escolha de elenco, insuperável. E com o palco armado, Scorsese desfila suas habilidades de diretor ímpar, tornando o espetáculo ainda mais impressionante. Cenas clássicas e memoráveis se sucedem, deixando o espectador numa constante dúvida: 'qual será a melhor?'. Não consigo eleger uma isoladamente, mas com certeza uma das mais marcantes é a entrada no restaurante, em primeira pessoa. É ali que você se sente como um deles, e tudo faz mais sentido. A câmera serve de olhos do gângster que adentra um restaurante de luz avermelhada. Enquanto se desloca até sua mesa, uma sequência de cumprimentos, reverências, comentários sobre os camaradas ali presentes e a sensação de todo o glamur e euforia que permeiam a vida de um gângster.
Se achar poderoso é entrar na balada pela fila dos vips, pagando muito. Ser de fato poderoso é entrar pela porta da cozinha, cruzar as panelas fumegantes, cumprimentar a todos pelo nome e receber em troca olhares respeitosos e sentar-se numa mesa até então inexistente, colocada à beira do palco exclusivamente em razão de sua chegada, regada a vinhos enviados pelos vizinhos de mesa em sinal de reverência. Tudo sem pagar nada. A moeda aqui é o respeito, é o medo. Isso é poder, isso é máfia. 
Ser gângster é ser poderoso e, ao mesmo tempo, não esquecer-se da família, sobretudo da figura sagrada da mama. Em outra das cenas clássicas, o trio central, levando um cadáver no porta-malas, para na casa de um deles, o personagem vivido por Joe Pesci, para pegar um pá e então enterrar o corpo. Eis que, no meio da noite, a mama ainda está acordada, velando por seu filho fora de casa até tão tarde. Daí, não tem como recusar um jantarzinho italiano preparado na hora. A comida esquenta no fogão, enquanto o corpo esfria no carro. Dizer não à mãe, aqui, é o pior dos crimes.
Em filme de máfia, é na cozinha que tudo acontece. Negócios, acertos de contas, reuniões, diversão, família, tudo gira em torno das panelas, das salsichas, das massas e do molho de tomate. Máfia é tradição, cozinha é tradição, ambas não poderiam desdar as mãos. 
Não posso deixar de registrar a maestria de Scorsese e Joe Pesci na cena em que, outra vez em um restaurante, o baixinho invocado deixa transparecer toda a sua personalidade em meia dúzia de falas e muita linguagem corporal. Basta uma cena, poucos minutos, pra que o personagem se desenhe à frente dos olhos do espectador, de forma sutil. Não pense se tratar de um personagem superficial, pelo contrário, não é daí que decorre a facilidade em revelar sua essência. Trata-se de um trabalho genial do ator e do diretor, que não consigo descrever mais. Só assistindo mesmo pra entender. Sabe quando você assiste a um filme inteiro e termina sem sacar qual é a do personagem, quais suas motivações e jeito de ser? Pois então, aqui cinco minutos são suficientes. Diante de tantos personagens rasos no cinema, o gângster de Joe Pesci transborda. Oscar merecido. 
'Os bons companheiros' é tudo isso e muito mais, um novelo que se desenrola (ou enrola cada vez mais) até o final impagável. Tudo montado pela editora frequente dos filmes de Scorsese, Telma Schoonmaker, ganhadora do Oscar. Sabe o ritmo que impressiona em todos os filmes do cara, como 'Taxi Driver', 'Os infiltrados', 'Touro indomável'? Pois bem, é dessa Telma o mérito. A mulher transforma os rolos de dezenas de horas de filmagem do diretor em compilados de cenas orgânicos, que tornam-se pérolas do cinema. 
Máfia, Itália, pasta, comida da mama, família, poder. Você ainda não foi assistir?

Clint.

3 comentários:

  1. Olha só quem está de volta!!! Postei 22:01 e você 22:02! Até reclamei sua ausência, (dá uma olhada) não achei que surtiria efeito tãaao rápido hahaha!! Que bom que voltou, adorei o post, bem a sua cara!
    beijos,
    Audrey.

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  2. ah, tá faltando umas imagens aqui né?? coloca!! beijos,
    Audrey.

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  3. Me desafiaram a manter a minha crítica que o filme aqui retratado seria uma versão piorada do Poderoso Chefão.

    Agora após uma maratona de scorsese, não me sinto tão confiante para criticá-lo.. haha

    Porém, ainda mantenho a minha preferência pelo Poderoso Chefão, principalmente, por trazer às telas uma versão romantizada da mafia,mas ao msm tempo retratando tb os dilemas daquela vida.

    Tb acho q se os bons companheiros fosse centrado no Jimmy, em vez do Henry Hill seria bem mais cativante.. Não sei o que vc acha Clint, mas o personagem do Liotta perde mts pontos comigo na maneira de tratar a sua mulher... não sei se é por ele não ser italiano, mas fez com que eu não me importasse com o seu destino na trama.

    Adoro o blog, e sem dúvidas entrar aqui fez com que eu me interessasse por filmes que nunca cogitava assistir.. principalmente os dos rankings do Clint!

    Valeu Clint e Audrey.

    Beijos não tão anônimos.

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