'O discurso do rei' lidera em número de indicações ao Oscar deste ano, 12 pra ser mais exato. Tem ganhado prêmios que servem de prévia pro Oscar, e talvez seja o maior candidato a desbancar 'A rede social', do qual não gostei muito, mas é apontado por especialistas como o favorito a melhor filme.
Tava curioso pra saber mais sobre o filme quando ouvi seu título, e logo corri pro Youtube. E me surpreendi, desde o trailer, fazendo nascer a vontade de ver que, em primeira mão, achei que não viria!
'O discurso do rei' é sobre... medo. Não, não é um filme de terror, com sangue, assassino psicótico ou possessões sobrenaturais. Ainda assim, é um filme sobre medo. Medo interno, daqueles que, sozinhos, não conseguimos suportar, e então dividimos com os poucos mais queridos à nossa volta. Medo que é catapultado a proporções enormes quando muita gente toma ciência dele, o mundo inteiro no caso do protagonista do filme. Medo de falar em público.
O rei, o microfone e o resto do mundo. É em torno desse triângulo nada amoroso que a trama se desenvolve, e prende o espectador do começo ao fim. Prende mesmo? Pode ser difícil acreditar, mas é verdade! Prende por muitos motivos, dentre eles o carisma dos personagens centrais.
O rei do título, que passa boa parte do filme apenas aguardando na fila sucesória do trono inglês, é interpretado magistralmente por Colin Firth. Cara bom, esse. Empresta seu sotaque britânico (que é muito bom de ouvir, dá outro tom pra qualquer filme!) à gagueira do personagem, e cativa pelo companheirismo com a mulher (Helena Bonham Carter) e o carinho com as filhas, pequerruchas candidatas a rainha. Dica: assitir ao filme 'A rainha' em seguida pode ser prazeroso, pela continuidade (abstraia algumas décadas de intervalo) entre as histórias e mais atuações estupendas de um filme oscarizado.
O protagonista, como já dito, é gago, e causa constrangimento na plateia assim que abre a boca em seu primeiro discurso, ainda como príncipe. É impossível não se incomodar com o incômodo dele, não se envergonhar com a vergonha dele. A compaixão rola solta, o público se compadece pelo dito cujo nos instantes iniciais do filme e daí em diante não consegue deixar de acompanhar sua trajetória ao trono e, consequentemente, na busca por uma solução ao seu problema.
Sua esposa, bem vivida por Helena Bonham Carter, é de uma simplicidade que não combina com a vida nos palácios da coroa britânica, e mostra estar com o príncipe não por interesse, mas por amor. E se vê responsável por ajudá-lo com seu maior trauma, buscando médicos e tratamentos capazes de ajudar o marido a discursar.
Daí entra um dos trunfos do filme, Lionel Logue (Geoffrey Rush, o Capitão Barbossa de 'Piratas do Caribe'), um sujeito australiano inovador nas técnicas de fonoaudiologia. Mas não era de um bom médico que o príncipe precisava. Era de um amigo, personificado na pessoa improvável de Lionel, um entre milhões de plebeus abaixo da Família Real.
Então o príncipe vira Bertie, apelido usado apenas pelos familiares mais íntimos. O mundo deixa de ir ao príncipe, e ele tem que se deslocar até a sala de Lionel para ser tratado. O príncipe participa de apostas, como um qualquer do povo. O príncipe, por debaixo das vestes reais, títulos e honrarias, descobre o homem, o ser humano que teme, que titubeia, que precisa de ajuda e a encontra em Lionel, abusado, subversor de costumes, testador de limites, como todo (bom) amigo deve ser.
Por meio de encontros inicialmente tensos, tiradas afiadas e diálogos espertíssimos, o espectador é conduzido pela revelação de Bertie, que se descasca perante Lionel e toda a plateia, se descasca para si mesmo.
Sem ser dito, todos percebem que a gagueira de Bertie não está nas cordas vocais ou movimentos da boca e da língua, mas na responsabilidade de suceder, quem sabe, um dia, um pai-rei durão. Também na convivência com o corajoso (será?) irmão, mais velho, mais belo e desenvolto com as mulheres. E, também, na necessidade de viver uma vida pelos outros, por um país inteiro, esquecendo-se muitas vezes de si mesmo.
A gagueira não o abandona quando tem que falar publicamente, e a imagem do príncipe e de seu povo logo é colocada em xeque. Um nobre, representante da nação, que não consegue falar por ela? A tensão resultante do problema é sublimemente retaratada na cena em que o protagonista adentra em um recinto do palácio imperial e, prestes a iniciar mais um discurso desastroso, é encarado pelos retratos de seus antepassados, que parecem zombar, com um sorriso de canto de boca, do constrangimento anunciado à beira do microfone.
Então vem a morte do pai, a sucessão fracassada do irmão (lembra do corajoso? Então...), o protagonista sentando-se no trono e a guerra. Um mundo em colapso, um rei que precisa erguer sua voz e unir uma nação. Encorajar a todos requer, primeiro, coragem de quem o faz. E contra circunstâncias fortemente desfavoráveis, surge a nobreza de um rei, construída pelo amor com a esposa e filhas, amizade com um plebeu e coragem de quem não pode se calar.
O microfone e o resto do mundo. B-B-Be-Bertie se torna Bertie, se torna rei.
Clint.
Clint.
Incrível sua resenha! Meu deu até vontade de ver o filme! Parabéns pelo blog!!
ResponderExcluirAssisti esse filme semana passada. O Oscar vai dar o prêmio para o Colin Firth, mas ainda acho que o destaque nesse filme é o Barbossa. Achei que ele ajuda muito para que a atuação de Colin fosse digna de um Oscar. Aliás, Geoffrey Rush venceu um Oscar com "Shine", que é um filme muito bom, na década de 1990. Fica a dica.
ResponderExcluirAbraço.
Viniz.
só não concordo com o lance do medo de falar em público... o medo dele transcende isso... e também alcança o fato de falar em público... mas boa a resenha, ainda assim.
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