'Cisne Negro', com Natalie Portman no papel principal de uma bailarina jovem, desponta como um dos ícones do Oscar deste ano, um filme de repercussão considerável que, se não é o mais cotado ao prêmio principal, não deixa dúvidas de que Natalie, finalmente, pode colocar suas mãos na estatueta de melhor atriz.
Não, não é filme de balé. Não, não sobreviveria sem ele. Isso porque a trama se apoia num dos espetáculos (não sei se esse é o nome que se dá a apresentações de balé) mais conhecidos do mundo refinado e cruelmente competitivo da arte de dançar.
Tal espetáculo, de nome 'O cisne negro', que inspira o título do filme, não serve só de pano de fundo não, serve de fio condutor da reviravolta que se passa na vida da protagonista, serve de estrada a ser percorrida não só pelo(s) cisne(s) que são incorporados pela bailarina como por ela mesma, despida de qualquer personagem.
E é aí que a coisa esquenta, e faz toda a experiência valer a pena. Nina, a bailarina interpretada por Natalie, vive num mundo de pressões insuportáveis bombardeadas de todos os lados. Mãe, companheiras de palco, dono da companhia de balé, todos são elementos potencializadores da pior pressão que, de fato, Nina sofre: a que vem de dentro. Um mundo não muito diferente (pra não dizer igual) daquele que experimentamos todos os dias, ao abrir os olhos.
Ela não pode fracassar como sua mãe, bailarina frustrada. Ela não pode deixar de ser como Beth, a brilhante, sua precursora na companhia como bailarina principal. Ela deve ser perfeita, é o que dizem todos (menos um) à sua volta e, pior, o que ela mesma diz para si a cada movimento seu milimetricamente avaliado pelo espelho, enquanto dança. Ela deve ser muita coisa, e com isso deixa de ser ela mesma. Deixa de ser.
E se a dança, como dizem, é o espelho da alma, Nina, uma bailarina enjaulada por sua busca incessante pela perfeição, deixa de dançar verdadeiramente. Se tem alma, pouco dela se enxerga por seus movimentos exaustivamente treinados.
Lembra do post sobre o '127 horas', quando falei sobre sentir? Então, se lá isso sobra, e você vai junto com o personagem, aqui isso falta, e te deixa angustiado à espera da libertação da personagem. Sensações opostas, mas igualmente intensas.
Até o ponto máximo do filme, em que eu, mesmo confortavelmente largado na poltrona da sala vip do cinema, tive vontade de ficar de pé e aplaudir (adoro o bonequinho da Folha de São Paulo!) . A reviravolta (previsível para alguns) emocional da trama, onde Nina, ao incorporar o vibrante, excitante e sensual cisne negro finalmente realiza as expectativas de seu chefe, da plateia (fictícia e real!) e, principalmente, suas. Aquelas, adormecidas dentro do peito lacrado por uma vida de cobrança e racionalidade, que até então sepre haviam se sobreposto à liberdade e ao sentimento.
A casca se quebra (daí a imagem de um dos pôsteres do filme), e Nina dança com o corpo, com os olhos, com a alma. Méritos para a atriz, que, sem ser reducionista, acredito merecer o Oscar mesmo que só por esta cena. Todo o resto de sua atuação também é brilhante, mas é aqui que Natalie sobe um degrau além das demais concorrentes. Encare-a nos olhos, e a experiência vai ficar gravada na memória por muito tempo.
Daí o título do post. Não se trata só do balé encontrando o cinema, mas da arte da dança encontrando a arte de uma interpretação estupenda imortalizada em película.
Destaque para a pouco conhecida Mila Kunis, que desempenha bem o papel de contraponto à personalidade de Nina, o cisne negro de sua vida dentro e fora dos palcos. Vincent Cassel, como o chefe da companhia, desenha um personagem movido por múltiplas intenções, bem sucedido em seu principal objetivo: transformar Nina.
Vale ressaltar também a incrível trilha sonora, os ótimos efeitos visuais de transformação e a atmosfera aterrorizante/angustiante/luxuosa criada pelo diretor, em mais um bom trabalho (saiba mais sobre ele e sua filmografia aqui: http://www.imdb.com/name/nm0004716/).
Previsível? Não concordo, pois achar que já se sabia o que aconteceria ao final antes dele chegar é pretensão demais, uma vez que o filme simplesmente deixa tudo aberto, pronto pra ser interpretado pelo espectador como ele quiser. Ou vai me dizer que, mesmo assim, você sabia que o final seria aberto e quais as mais prováveis interpretações que para ele surgiriam? Haja bola de cristal!
Talvez, a única coisa previsível aqui seja o destino do Oscar de melhor atriz, daqui a poucos dias.
Clint.