quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A origem

Acabei de colocar ‘A origem’ pra rodar aqui. Deve ser a quinta ou sexta vez que assisto ao filme, todas por motivos diferentes. Primeiro, pela novidade, e por gostar de cinema, lógico! Depois, pra curtir mais os detalhes, outra vez pela música, mais outra quando ganhei o blu-ray duplo (incrível) da Audrey, e de novo pra curtir o visual em full-hd...
Cada vez percebi coisas diferentes, tive sensações diversas, experiências únicas. E tudo converge pra mesma conclusão lá da primeira vez, quando as luzes do cinema se acenderam e a sala (lotada nesse dia) se levantou com os olhos arregalados, amigos, irmãos, namorados, se entreolhando e procurando por onde começar a falar daquela...maravilha! Esse filme é fantástico, demais.
É incrível como Christopher Nolan, o diretor e roteirista, conseguiu fazer um filme tão complexo e, ao mesmo tempo, divertido, ágil, recheado de estrelas na ponta dos cascos e acessível ao grande público. Tem um movimento bobo correndo pela internet que condena as últimas obras de Nolan, incluindo ‘A origem’. E justifico o meu ‘bobo’: tem gente que não admite que um cara que começou no cinema alternativo, experimentando a partir de boas ideias, sem muitos recursos e em estúdios independentes, se tornar, em meia década, O cara do cinema contemporâneo. São egoístas culturais, que parecem só gostar do artista enquanto ele está no circuito alternativo, desconhecido, dentro do ‘seu’ mundo, à margem do mainstream. Tá certo que muito artista por aí se vende, por dinheiro ou fama, e embarca em projetos puramente comerciais. Mas esse, definitivamente, não é o caso de Nolan. Puristas, não condenem o cara só por que ele conseguiu juntar cinemão com cérebro, pipoca com reflexão. Tem coisa melhor do que isso?
Nolan, pra mim, foi impecável, um maestro irretocável. Não olho pro filme como um estudo de psicanálise, pela ótica da física, da química ou de qualquer ciência. Talvez nesses campos existam alguns errinhos aqui e ali na obra, como andam dizendo por aí. Olho pro filme como fã de cinema, como amante de umas boas horas na sala escura olhando pra tela e curtindo com uma boa companhia. E, nesse quesito, o cara é O cara mesmo.
‘A origem’ não subestima a inteligência do espectador, nem complica demais a ponto de deixar a dúvida na cabeça: ‘será que sou burro?’. Aqui tem equilíbrio, tudo é na medida, estimulante e recompensador.
Não dá pra deixar de falar da escolha do elenco, pra lá de competente e cativante. Liderados por DiCaprio, que é um de meus atores favoritos, Joseph Gordon-Levitt, Tom Hardy, Marion Cotillard, Ken Watanabe, Ellen Page, Michael Caine e Cillian Murphy dão show.
DiCaprio está incrível. Um filme desse porte sem um bom protagonista não se sustentaria tão bem. Ele é seguro, intenso, profundo e magnético, como poucos astros de Hollywood sabem ser. Uma carreira de início meteórico, de rei do mundo nas telas ele passou a rei do mundo real: o que DiCaprio toca não se transforma apenas em ouro, mas também em arte. Do jeitinho que Nolan gosta: qualidade com repercussão, filme de verdade que sabe fazer barulho. O binômio sucesso comercial – sucesso intelectual não seria possível sem a maior estrela do filme.
Gordon-Levitt e Tom Hardy, da trupe dos ladrões de sonhos, rodeiam o protagonista Cobb e causam no espectador aquela vontade de ser o personagem que representam. Quem não quis ser o falsificador e enxergar no espelho outra pessoa, peça-chave no plano mirabolante da trama? E quem não daria um sonho pra passar uma noite na pele de Gordon-Levitt e salvar o dia pelos corredores, quartos e elevadores de um hotel em rotação?
Acabei de chegar na cena dos primeiros projetos da arquiteta, Ellen Page. É aqui que tudo começa a fazer mais sentido, e Nolan nos coloca no lugar da moça, como aprendizes de um mundo até então desconhecido, que começa a parecer real. Simples mas eficiente a sacada de colocar alguém na trupe que não sabe nada sobre essa loucura de sonhos e inserções. Vamos com ela, aprendemos com ela e logo tudo na história soa natural, já conhecido. Como num sonho, em que não sabemos como fomos parar ali, mas tudo, mesmo que virado de ponta cabeça, parece no seu devido lugar.
Ken Watanabe e Michael Caine, acostumados a marcar presença em filmes de grande porte, são discretos mas, como sempre, conferem charme e elegância ao conjunto da obra. Cillian Murphy, o excelente espantalho de ‘Batman begins’, acumula mais pontos na carreira na pele do filho inseguro que cede seus sonhos como palco de toda a história. E Marion Cotillard...as lágrimas pulam do olho dessa mulher, é absurda a intensidade de cada cena em que ela aparece. Marion transborda como as lágrimas em seus olhos, parece quase não caber na cena (no bom sentido). Ela sobra, dá show, enlouquece o viúvo Cobb e você junto. A doçura mergulhada na raiva, no mistério do olhar perdido no limbo, literalmente.

Fico pensando de que idéia surgiu toda essa rede complexa de personagens, cenas, níveis de sonho, chutes e demais maluquices que dão corpo ao filme. E o mais impressionante é chegar à conclusão, assistindo à cena em que o falsificador é apresentado ao público, de que tudo só pode ter começado como ele descreve: “você precisa da versão mais simples da idéia, pra ela crescer na mente do sujeito. É uma arte sutil.” Uma idéia simples, uma arte sutil e Nolan transformou tudo em um enorme estrondo.

A cooptação da equipe é uma das partes mais gostosas do filme, sem dúvidas. Além de te familiarizar com a história dos sonhos compartilhados (já pensou que legal?) e inserções, te deixa íntimo dos personagens e apresenta alguns dos efeitos visuais mais impressionantes: a cidade que se dobra, a banca de frutas que se estilhaça, o espelho infinito, a escada que só sobe e sobe... Não tem como não adorar cada pequeno detalhe desse filme! Os diálogos que permeiam a fascinação visual são, além de disfarçadamente didáticos (quando a história assim exige), espertos e com fortes traços de humor e ironia, sobretudo no que depender da relação entre o falsificador e o braço direito de Cobb, vivido por Gordon-Levitt.

Diante de uma equipe escolhida a dedo e bem preparada, um desafio à altura: uma mente, três níveis de sonho, chutes sincronizados e a idéia a ser plantada. Os devaneios de Cobb apimentam a jornada (dá-lhe Marion!) e as dificuldades só crescem na medida em que os sonhadores penetram mais fundo no subconsciente da vítima do plano. Daí nos deparamos com um espetáculo de fotografia. A mistura de climas, cenários e arquiteturas são fruto da mente criativa da pequena arquiteta vivida por Ellen Page, que projeta o caminho ideal para que o objetivo da coisa seja atingido. Chuva, neve, praia, cidade, armazém, ponte, van. Como pode tanta coisa diferente misturar-se com tamanha harmonia e encaixar-se na cabeça do espectador com tamanha naturalidade?
Se os sonhos são coletivos, os propósitos são os mais variados e egoístas, sem, contudo, desestabilizar o grupo, apesar do estremecimento inicial ainda no primeiro nível de sonho. Redenção, reencontro, dinheiro, diversão, aventura, poder. As motivações diversas trazem todos para o subconsciente de uma única pessoa.


No caso de Cobb, a frase mais icônica do filme define, pra mim, a força motriz do personagem. Não há parasita mais resiliente do que uma idéia. Foi uma idéia que tornou-se obsessão para Cobb e o levou ao limbo com sua mulher, onde ela perdeu sua sanidade e também sua vida. A idéia de ser dono do próprio mundo, criador de tudo o que há. Foi uma idéia que tornou-se obsessão para Cobb e o fez embarcar na aventura do filme. A idéia de retomar o que de mais precioso lhe restou, seus filhos, sua vida livre. As idéias, sempre elas, movem todos os passos de Cobb e, porque não, de todos os demais personagens. E da platéia. E de quem somos fora do cinema.

Cheguei às cenas do hotel, cara, que cenas! Logo que ganhei o blu-ray duplo (valeu de novo, Audrey!) fui correndo prum modo chamado ‘extraction mode’, no disco 1 do filme, mesmo. A cada cena mais complexa, uma interrupção com explicações dos mecanismos de filmagem e de utilização de efeitos visuais de computador na obra. E pra quem não sabe vou logo avisando: pro tamanho do filme e pelo número de cenas visualmente impressionantes, a quantidade de efeitos de computador é mínima!

É o estilo Nolan de filmar: grandioso mas na raça, na unha, no muque. Lembra do ‘Batman – O cavaleiro das trevas’? Pois bem, aquele caminhão do Coringa capotou de verdade e aquele hospital do Duas Caras explodiu de verdade (é, eles implodiram um prédio em tamanho real..sossegado)! Aqui, em ‘A origem’, não é diferente. O corredor, isso mesmo, o corredor gira pra valer! Mas e os cabos que prendem os personagens? Que cabos o que, os caras correram de verdade naquilo, feito hâmsters naquelas rodinhas infinitas! Chão, parede, teto, parede, chão, parede, teto... mais impressionante ainda, coreografando uma luta! Se teve dublê? Nada... Joseph Gordon-Levitt mandou muito bem!

Ah, mas aquela avalanche na neve (acabei de chegar às cenas desse nível) foi de mentira certo? Computação gráfica, ou pelo menos maquete com mini-explosão? Não. Se Cobb bancou Deus no limbo com sua esposa, Nolan brincou de Deus nessa cena: avalanche de verdade, causada por explosões calculadas, controlada (e existe avalanche controlada?) pela equipe de efeitos visuais de campo. Quando ele resolve fazer uma coisa...é pra valer.

E tudo embalado por uma trilha sonora de primeira. Hans Zimmer, compositor, repete a parceria com Nolan (são dele também as trilhas de 'Batman begins' e 'O cavaleiro das trevas', dá uma olhada na obra completa e impressionante do cara aqui: http://www.imdb.com/name/nm0001877/). Eu curto muito música de cinema, compro quando posso e baixo quando consigo (anta). E essa, pra minha surpresa, veio de lambuja no blu-ray (de novo?) que ganhei da parceira aqui do blog! Pois é, a tela fica preta, e as faixas se sucedem hipnotizando os ouvidos. Batidas fortes, sons metálicos, numa crescente que faz a cabeça ir longe e desperta ao mesmo tempo. Não sei o que gosto mais numa trilha, se é a capacidade de ser notada ou de passar despercebida. Cada qual com a sua qualidade, de acordo com o filme que embala e as sensações que passa ao espectador. Aqui, nitidamente, a trilha marca e a platéia sai da sala de cinema com o impacto que ela confere a momentos como a queda da van. Expectativa, tensão, respiração presa, lembrando muito as músicas das aparições do Coringa de Ledger no último Batman (lembra daquele zunido, iiiiiiiiiiIIIIIIIIIIIIIIII, numa crescente infinita?). Sem falar nas combinações com músicas de Edith Piaf, que me fizeram lembrar do filmaço em que Marion Cotillard arrasa com sua atuação impecável! Vale a pena assistir este também (‘Piaf – Um hino ao amor / 2007).
Tá chegando no final, aquela sensação estranha quando o sonho acaba e tudo volta à normalidade entre os personagens. Os olhares durante o desembarque são de satisfação e alívio. E porque não de estranhamento, diante dum mundo normal demais? As maluquices da dimensão dos sonhos amorteceram tanto os sonhadores quanto os espectadores, agora não parece mais ser tão difícil se perder entre a realidade e o mundo do subconsciente, como outrora fizeram Cobb e sua falecida esposa.
O pião sobre a mesa, o amuleto que faz separar o real do sonho.
Sobre as chances do filme no Oscar de domingo? Por mim, levaria tudo e mais um pouco. Gostei mesmo, já deu pra perceber né? Mas, pelo andar das coisas, se os rumores se confirmarem, deve ficar mesmo é com prêmios mais técnicos, como de efeitos visuais, som e direção de arte. Melhor filme? Se dependesse da minha torcida (e de muita gente) sim, mas tem poucas chances de desbancar o do Facebook e o do Rei. E já que Nolan não foi indicado a melhor diretor (pra mim, a injustiça desse Oscar), que vença na categoria de melhor roteiro original! Vamos combinar, escrever uma maluquice divertida como essa e dar sentido a ela é um trabalho de gênio!
O pião gira, gira, gira...até quando?

Não é que, no subconsciente, todos que curtem cinema têm um sonho compartilhado de ver na tela o que se vê em ‘A origem’? Logo se percebe, essa idéia não é tão maluca quanto parece...
E mais uma vez assisti “A origem” de cabo a rabo, quase sem perceber a passagem do tempo, aqui, compartilhando as experiências apreendidas pelos meus sentidos com vocês. Como disse certa vez o mestre do suspense (e da comédia, porque não?) Alfred Hitchcock, todo filme deve ser pensado levando em consideração a bexiga humana. Não pode durar mais do que um intervalo entre um ida no banheiro e a vontade de ir de novo. Até nisso Nolan acertou. Tá me dando vontade, se me dão licença!
Clint.

Um comentário:

  1. Amei o seu post! É sem dúvidas o melhor! Eu to babando de vontade de assitir mais uma vez!! Ficou muito legal!!! Adorei o jeito mais descontraido que vc escreveu, os detalhes, tudo! Ficou parecendo uma das nossas conversas despretenciosas sobre cinema! E não foi essa a idéia quando criamos o blog?
    Deu pra ver (mais uma vez) o quanto vc pira nesse filme! Será q eu acertei no presente??? hahahahaha! Já pode parar de agradecer ok? todo mundo entendeu que vc a-do-rou! ;)
    Agora me empresta? Vc me deu vontade, agora não seja egoísta!
    To lembrando o quanto eu também amei esse filme! E o quanto eu saí deslumbrada de uma sessão também nada vazia!! Com creteza, é um dos meus favoritos de 2010!!! Me dá raiva só de pensar o quão improvável é que ele leve o oscar de melhor filme, e mais raiva ainda de saber que o diretor nao foi indicado! mas tb terei caimbras nos dedos de tanto fazer figas pelo roteio original! É muita criatividade, e muito talento!
    Parabéns pelo post mais uma vez, sou sua fã! hahahahaha

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